“Não aceitamos novos pacientes”. Falta de psiquiatras cada vez mais visível
Radio Latina 5 min. 08.07.2024

“Não aceitamos novos pacientes”. Falta de psiquiatras cada vez mais visível

“Não aceitamos novos pacientes”. Falta de psiquiatras cada vez mais visível

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Radio Latina 5 min. 08.07.2024

“Não aceitamos novos pacientes”. Falta de psiquiatras cada vez mais visível

O problema é antigo. O Luxemburgo não tem psiquiatras suficientes para responder à procura e o resultado são profissionais sobrecarregados e pacientes sem saber o que fazer.

O telefone toca. Do outro lado, alguns segundos depois, uma mensagem automática a informar que o médico não aceita novos pacientes. Tentámos marcar uma consulta com um psiquiatra a exercer na cidade do Luxemburgo. Ligámos para uma dezena de médicos. Entre mensagens automáticas, números fora de serviço e listas de espera, não conseguimos consulta antes de setembro.

Paul Hédo, presidente da Sociedade Luxemburguesa de Psiquiatria, Psiquiatria infantil e Psicoterapia (SLPPP), disse à Rádio Latina que o problema da falta de psiquiatras, que não é novo, está longe de estar resolvido. “Todos os hospitais e estruturas extra-hospitalares estão à procura de profissionais”, diz.

De acordo com a SLPPP, há cerca de 160 psiquiatras inscritos na ordem dos médicos, sendo que alguns trabalham em administrações e outros já estão reformados. “É um número bruto que não nos diz grande coisa”, adverte Paul Hédo. Concretamente, o responsável indica que, no que toca à psiquiatria de adultos, há falta de 10 profissionais nos hospitais e cinco nas estruturas extra-hospitalares. Na área da psiquiatria infantojuvenil, são preciso mais quatro nos serviços nacionais.

No que diz respeito aos consultórios liberais, não é fácil avançar com uma estimativa. Paul Hédo faz referência a um relatório de 2019, segundo o qual 81% dos psiquiatras para adultos e 63% dos psiquiatras infantis iriam reformar-se entre 2019 e 2034.

O médico alerta: nos hospitais, os psiquiatras estão sobrecarregados. Segundo o presidente da SLPPP, as “grandes urgências são tratadas”, mas os pacientes nem sempre conseguem marcação para continuar o tratamento em ambulatório.

Não encontrar um psiquiatra com vaga é uma das queixas que chegam às mãos da Patiente Vertriedung, a associação de defesa dos direitos dos pacientes. Ouvido pela Rádio Latina, Georges Clees, responsável de comunicação da associação, adiantou que o organismo é regularmente contactado por pessoas nessa situação. Pessoas que “não sabem o que fazer”.

Procurar um psiquiatra é uma odisseia. “Culpo o Governo”

À Rádio Latina, Maria Azevedo, residente na capital, confirmou esse cenário. “Voluntariei-me para marcar consulta para um familiar que estava doente, em depressão profunda, segundo o médico de família. Ele não estava bem, não tinha força mental e física para fazer marcações. Mal eu sabia que não iria conseguir ajudar. Liguei para, talvez, uma dezena de psiquiatras. Ninguém tinha vagas para novos pacientes. Dois deles, pediram desculpas e desejaram-me boa sorte na minha busca por um especialista. Noutros consultórios, eu própria pedia alguma referência às secretárias. Sabem quem tem disponibilidade para receber novos pacientes? Elas, simpaticamente, lá me iam indicando um ou outro nome. Eram psiquiatras que se instalaram há pouco tempo no país. Talvez esses, como eram novos por cá, tivessem vaga. Mas deparei-me com novas recusas. Também esses, não aceitavam novos pacientes”, conta.

Maria Azevedo começou por procurar apenas na capital, mas viu-se obrigada a alargar a pesquisa a todo o país: “Liguei para consultórios em Mondorf-les-Bains, por exemplo, e em Ettelbruck. Um deles avisou-me que se fosse muito urgente, podia dirigir-me ao CHL, tendo este centro um psiquiatra de serviço, disponível a qualquer hora. Imaginei o meu familiar, a ser rejeitado, num momento de fragilidade. Imaginei que se ele tivesse que passar por isto, por estas recusas, desistisse de se tratar. Tal como queria desistir dele. Não lhe contei o meu percurso do combatente. Consegui consulta para dois meses e meio mais tarde, num médico em Ettelbruck. Dois meses à espera!”.

A portuguesa não tem dúvidas de que este cenário é o resultado da inércia política. “Culpo o Governo por isso. Este e o antigo Executivo por deixarem chegar a situação a este estado. Há anos que as notícias dão conta da penúria de médicos. Há anos que os governantes alertam para a subida do número de casos de doenças mentais. Durante a pandemia, os mesmos responsáveis políticos alertavam para os estragos que os confinamentos provocavam. E o que foi feito? É evidente que o que foi feito não chega. Muitos dos reformados portugueses nunca se desvincularam do Luxemburgo por causa do sistema de saúde. Aqui, há mais facilmente consultas. Sem listas de espera. Será? Penso que esse Eldorado também está a chegar ao fim”, alerta.

Questionada sobre este tipo de situações, a Patiente Vertriedung aconselha os pacientes a ligarem para os serviços de urgência dos hospitais ou a consultarem a Liga de Higiene Médico-Social, por exemplo.

Dificuldades “severas” no recrutamento de psiquiatras

Paul Hédo fala em dificuldades “severas ou mesmo muito severas” ao nível do recrutamento. Algo que se explica, em parte, pela ausência de uma formação em psiquiatria no país. Outra das razões é o facto de o recrutamento de médicos no estrangeiro ser particularmente difícil na área da psiquiatria por causa da questão linguística.

O presidente da SLPPP destaca também o facto de as pessoas estarem mais atentas à saúde mental, o que faz com que mais doentes ou familiares procurem um psiquiatra. Paul Hédo salienta que nem todas as pessoas que procuram um psiquiatra precisam de ser tratadas num hospital e adverte: faltam estruturas extra-hospitalares.

Paul Hédo espera que o novo Governo dê seguimento à intenção de resolver o problema da penúria de psiquiatras, tal como está estipulado no acordo de coligação governamental. No programa, negociado por CSV e DP, pode ler-se que “o Governo vai implementar medidas destinadas a aumentar o número de profissionais de saúde mental e a revalorizar o conjunto das profissões em causa”. O presidente da SLPPP deixa o apelo às autoridades políticas e administrativas: está na hora de meter a mão na massa e solucionar o problema.

Diana Alves